
Muito do que sabemos sobre as civilizações da Antiguidade deve-se aos objetos cerâmicos que foram encontrados em sítios arqueológicos. Alguns estudos nesta área mostram que a cerâmica surgiu no período neolítico, o que coincide com o início das sociedades agrárias. Entretanto, a arqueóloga franco-brasileira Niede Guidon – pesquisadora da Serra da Capivara, no Piauí – encontrou a presença da cerâmica, nesta região, datada há cerca de 29 mil anos. Este achado aponta para a fabricação de objetos cerâmicos em períodos ainda mais arcaicos do que os registros mais antigos, de 24.500 anos, conforme os encontrados na Europa Central, em regiões que constituem atualmente a parte oriental da República Checa. Neste contexto, pode-se dizer que a cerâmica contribuiu inequivocamente para a organização social humana e o seu uso corresponde às práticas sociais milenares. Lembrando que a capacidade da argila moldar-se ao ser misturada com a água e de endurecer, após ir ao fogo, possibilitou o armazenando de líquidos e grãos, tornando tais objetos indissociáveis à alimentação humana e à sua história, memória e experiência social. Os objetos cerâmicos – do grego keramos, “argila” – são objetos de barro que, segundo o material utilizado e a técnica empregada em sua fabricação, originaram outras classes de objetos, tais como: as terracotas, as faianças, as cerâmicas siliciosas, as porcelanas ou as porcelanas macias e duras. Conhecidas como “as artes do fogo”, as cerâmicas são compostas pelos elementos e fenômenos naturais que perpassam a produção dos alimentos: a terra, a água, o ar e o fogo. Mas o seu universo de similitudes com a alimentação foi sendo desfeito ao longo dos séculos e hoje tornou-se praticamente invisível na sociedade contemporânea. Uma história dos objetos cerâmicos mostraria uma trajetória muito próxima às representações dos alimentos: de objetos simples e rústicos da antiguidade a uma crescente sofisticação no Antigo Regime, as cerâmicas tornaram-se modernas e industrializadas para as massas, assim como os alimentos. Deste modo, numa época em que buscamos recuperar os sentidos sociais, as memórias e o patrimônio dos alimentos locais, regionais, comunitários e tradicionais, cabe-nos cuidar dos objetos que os acompanham – enquanto suportes, apoios ou instrumentos – para discutirmos e, quem sabe, compreendermos melhor a sociedade de consumo contemporânea que envolve a alimentação, os seus objetos e a todos nós. Nossa ideia é recolher impressões, relatos, saberes, subjetividades e práticas que incluam não somente os objetos cerâmicos, mas também os que são e foram suportes em algumas ou em todas as etapas da alimentação. O segundo “Encontro de Gastronomia, Cultura e Memória: cerâmicas, potes e vasilhames” tem como tema o universo onde habitam – objetivamente e subjetivamente – esses objetos.