A alimentação é parte fundamental da experiência humana. Isso não se deve somente às nossas necessidades biológicas, já que a alimentação foi também fundamento para a construção de diferentes formas de sociedades e culturas. Como lembram Jesús Contreras e Mabel Garcia, na obra Alimentação, Sociedade e Cultura, “os seres humanos são as únicas criaturas que pensam e falam a respeito de seus alimentos”. Nesse sentido, a comida, as formas de prepará-la e a cozinha de modo geral manifestam diferentes “gramáticas culinárias”, que foram construída e transmitidas culturalmente, de geração em geração, manifestando formas de memória social e de identidade de povos e comunidades.
A partir do aceleramento de contratos culturais e, principalmente após o que conhecemos por globalização, um grande número de sociedades incorporou-se no âmbito de práticas hegemônicas das multinacionais de alimentos. Dessa forma, as práticas e os seus conhecimentos em torno dos alimentos que tradicionalmente se davam com base de trocas culturais – e, por conseguinte, implicavam também na expansão de impérios e seus modos de dominação – se reconfigurou. Por volta dos anos de 1980, surgiram movimentos como o Slow Food que, numa direção oposta a esse processo radical de globalização dos séculos XX e XXI, tinham o intuito de fazer respeitar as maneiras diferentes de comer e, assim, de resistir às transformações de realidades alimentares culturais, que se tornaram estranhas internamente à vida social de diversas localidades.
Esse interesse pelos ritmos culturais e particulares da alimentação, suas relações internas com as tradições herdadas, bem como o estudo das transformações e assimilações externas a elas serão temas trabalhados no I Encontro de Gastronomia, Cultura e Memória.
O I Encontro de Gastronomia, Cultura e Memória é uma criação do Grupo de Pesquisa vinculado ao Projeto de Extensão “Pirapoca: o milho e a memória indígena na cultura alimentar brasileira”. Criado em 2014, por um grupo de alunos e professores do Curso de Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Pirapoca visa divulgar e valoirizar o milho nativo e as tradições dos povos indígenas brasileiros, nas quais o milho e a pipoca eram tradicionalmente usados em rituais e como adornos. Ao observar tais utilizações do milho como elemento simbólico e lúdico, o Pirapoca busca dar visibilidade e problematizar uma cultura do milho particularmente brasileira. Dentre as demais ações do grupo, ainda estão oficinas lúdicas realizadas em escolas da rede pública, a plantação de milho nativo e a consolidação do grupo de pesquisa, pautado pelo estudo da Gastronomia com foco na discussão da Cultura e Memória Social.
Tendo acumulado conhecimentos sobre uma Cultura do Milho especificamente brasileira, dedicamos a primeira edição do Encontro ao tema da “cultura brasileira em torno do milho”. Nossa intenção é que o Encontro possa permitir a reunião presencial com todos que colaboraram conosco e com demais interessados em ampliar esta rede, possibilitando o enriquecimento do debate. Tendo o milho como tema central, buscamos discuti-lo sob a perspectiva de diversas áreas do conhecimento, em palestras e apresentações de trabalhos científicos.
Por fim, os objetivos desse encontro incluem o diálogo com a sociedade e a criação de fontes de conhecimento que possam contribuir para políticas de valorização dos alimentos brasileiros, dos profissionais gastrônomos, dos trabalhadores rurais, das populações e povos vulneráveis como indígenas, a interdisciplinaridade e multidisciplinaridade entre todos os campos de saberes que resultem na formulação de novos conhecimentos para o campo de Estudos em Alimentação e Cultura, entre outros.